21 de dezembro de 2018

facebook

No primeiro terço do documentário, o principal protagonista do filme revela que a primeira coisa que faz quando se levanta é ir ao computador, nomeadamente ao Facebook, e verificar quantos novos followers tinha. "137,000 é excelente", dizia um optimista Pervez Musharraf, ex-presidente deposto e exilado do Paquistão, um país com 200 milhões de habitantes.



"A bandeira consiste de um campo verde escuro, representando a maioria muçulmana do país, com uma faixa branca no lado do haste, representando as minorias religiosas."



Pervez Musharraf vivia, até há alguns anos, exilado no Dubai, depois de ter sido deposto e expulso do Paquistão, carregando com ele a cruz e a infâmia de ser um ditador aos olhos da maior parte da população. Musharraf era um general do exército paquistanês quando, em 1999, liderou um golpe de estado e conquistou o poder, destronando o então primeiro-ministro Nawaz Sharif, alguém que estava manchado por acusações de corrupção e quem os habitantes paquistaneses viam com bons olhos a sua queda. O general foi visto com um salvador, um libertador e liberal que iria guiar o Paquistão rumo à democracia, crescimento económico e social, ao mesmo tempo que ia detendo e neutralizando grupos de extremistas religiosos. E assim foi. Nos primeiros anos da sua liderança, Musharraf foi elogiado por todos, tanto no Paquistão, como internacionalmente. O país cresceu, em todos os aspetos. Mas depois veio o 11 de Setembro e tudo mudou.

Para tentar não ser muito aborrecido, vou tentar abreviar. George Bush, na sua nova cruzada anti "Eixo do Mal", tentou que vários países árabes e asiáticos se juntassem aos Estados Unidos. Ficou célebre o "Ou estão connosco ou estão contra os terroristas". O Paquistão de Musharraf, após alguma hesitação, aceitou juntar-se aos USA no combate aos terroristas. A guerra contra os taliban, que povoaram o nosso léxico e imaginário no início dos anos 2000, lembram-se? Tantos drones foram enviados para matar meia dúzia de terroristas, ao mesmo tempo que dizimavam aldeias paquistanesas inteiras e respetivos habitantes, que a paciência esgotou-se. E o então "libertador" Musharraf passou a ser, para a maior parte dos paquistaneses, o "ditador" Musharraf, aliado ao inimigo americano e que vendeu o sangue do povo paquistanês. Musharraf usou da sua mão de ferro e tentou, a todos os custos, conter a rebelião que gritava a sua cabeça e sua queda. Finalmente, em 2008, após um processo de impeachment iniciado pelos partidos rivais, Musharraf aceitou demitir-se do Governo e em outubro desse ano deixou o país, exilando-se no estrangeiro durante os próximos tempos.

Foi no Dubai que o autor do documentário do programa, um xiita, uma minoria perseguida (e assassinada) pelos sunitas do Paquistão e confesso admirador de Musharraf, o encontrou no seu apartamento, em frente a um pc, a sonhar com o regresso ao poder no Paquistão.


O documentário prossegue, lembrando tudo o que se passou até então - não tem interesse agora estar a contar - para, no final, mostrar-nos que Musharraf, após decisões de tribunais num sentido e o seu contrário, pôde finalmente entrar livremente no Paquistão, disposto a concorrer nas eleições legislativas de 2013. O homem estava mesmo convencido que poderia ganhá-las, ou, pelo menos, assim o deu a entender. O tribunal, finalmente, decidiu que não podia concorrer e, sentenciando-o ainda devido a crimes cometidos na altura em que governava o Paquistão, decretou a sua prisão domiciliária.

A meio do documentário, Musharraf está num estúdio no Dubai para responder, em direto, a perguntas de paquistaneses. A primeira pergunta é "Sr. Musharraf, nos 10 anos que nos governou, trouxe-nos terrorismo e fez-nos escravos dos americanos. Porque deveríamos votar em si?"

Ninguém se lembra do bom trabalho de Musharraf antes do 11 de Setembro. Ninguém quer saber do crescimento que o Paquistão teve nesses anos. Aquilo que ficou na memória e para história foi o que aconteceu de 11 de setembro 2001 em diante. Apenas alguns, como a minoria xiita paquistanesa, que viveu bem e sem medo durante esses anos, é que ainda hoje (na altura) votariam em Musharraf. Era impossível voltar ao poder. E não voltou, claro.

Por curiosidade, quem venceu as eleições nesse ano foi, precisamente Nawaz Sharif, o homem que Musharraf tinha deposto em 1999. Em 2017 foi forçado a sair do Governo novamente, devido a acusações de corrupção. Em 2018, foi eleito como presidente do Paquistão um ex-jogador famoso de críquete, chamado Imran Khan, um galã com pouca experiência anterior na política e que trouxe com ele uma lufada de ar fresco e um discurso optimista aos paquistaneses, fartos de anos de guerra, corrupção e pobreza.








"Eu pensava que conseguiria mobilizar as pessoas, fazendo-as relembrar os velhos tempos. Não fui bem sucedido. Talvez tenha falhado como político. Mas sem arrependimentos. Estes são os altos e baixos do destino."

Pervez Musharraf, em 2013, na sua casa durante a prisão domiciliária, em conversa com o realizador do documentário.


 Ah! O documentário chama-se "Insha'Allah Democracy".

1 de dezembro de 2018

Theresienstadt

O jornal Correio da Manhã de hoje, mais uma vez, cavalgar nos pobres miseráveis que participaram no "ataque" a Alcochete, em maio passado. A RTP, o canal TV público português decidiu ontem transmitir excertos audio das declarações do ex-presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, a um juiz. Relembro que os 30 e tal ditos cujos continuam, efetivamente, presos, numa prisão física, numa cela entre quatro paredes. Não roubaram dinheiro em benefício próprio, não assaltaram ninguém para lhes roubar algo, não agiram individualmente, não mataram ninguém - não, foram apanhados numa espiral de negativismo junto daquilo que o Sporting emanava desde há meses, anos, e deixaram-se enrolar, propositada ou inadvertidamente, não percebi ainda, numa ação que lhes assombrará a vida e, claro, a vida do clube. Sinto, deveras, pena daqueles pobres coitados, que sentiram tanto o clube ao ponto de deixar que a irracionalidade lhes toldasse o espírito. A paixão manifesta-se de diversas formas e, de um modo perverso, consigo ter compaixão com aqueles tipos que, após verem, mais uma vez, uma época desportiva terminar em desilusão, decidiram dar azo à sua frustração. São 16 ou 17 anos de frustrações, em que com o advento das redes sociais, triplicaram, quadruplicaram, metaquintatetraduplicaram, essa mesma frustração de ser o eterno perdedor, de ser o tipo que é constantemente alvo de piadas a meio da manhã, seja por parte do colega de trabalho, de carteira ou de cadeira de esplanada.

Aquilo que se passou em Alcochete prejudicou, sobretudo e talvez apenas, os Sportinguistas, o Sporting Clube de Portugal. Já bastava isso. A forma pornográfica e sanguinária como os media e a justiça portuguesa transformaram isto num crime de lesa-pátria deixa-me enojado.

Claro que aquilo que se passou em Alcochete foi muito mau, uma vergonha e que nunca deveria ter acontecido. Mas num mundo ideal, tais actos seriam apenas julgados por aqueles que sofreram com tais atos, os Sportinguistas. E, bem ou mal, já houve esse julgamento. Poucas semanas depois, foi decidida a destituição da antiga direção e procedeu-se à eleição de uma nova direção. Continuar a ver, dia após dia, escarrapachado nas tvs e jornais deste país, detalhes do tal dia fatídico, por parte de pessoas alheias ao Sporting, soa tão escabroso e humilhante como se os tribunais nazis julgassem o roubo de um pão em Theresienstadt. É isso que, acima de tudo, me revolta mais no meio disto tudo.

Já a frustração dos Sportinguistas, infelizmente, percebo-a. E aceito-a. Dezassete anos são muitos anos.