29 de abril de 2017

#EstamosFodidosSporting

Carl von Clausewitz (Burg, 1 de junho de 1780 — Breslau, 16 de novembro de 1831) foi um militar do Reino da Prússia que ocupou o posto de general e é considerado um grande estrategista militar e teórico da guerra por sua obra Da Guerra. (...) É considerado um grande mestre da arte da guerra. (in Wikipedia)


Não sou expert na matéria, nem nada que se pareça, mas parece que este Clausewitz tinha umas ideias interessantes no que toca a fazer a "guerra". Uma das suas ideias-base era a de que, para um país vencer uma guerra, havia três factores que tinham de actuar em conjugação, que tinham de estar alinhados, mentalmente e fisicamente: o povo, o exército e o Governo.


Pesquisei alguma coisa, não muito, sobre Clausewitz antes de começar a escrever o post, e, aparentemente, essa "trindade" de factores, essencial para que um país saia vitorioso de um conflito, consiste nisto:


1- "violência, do ódio e da inimizade primordiais, que devem ser vistos como uma força natural cega" (o povo)

2- "O acaso e probabilidade dentro do qual o espírito criativo é livre para vaguear" (o exército)

3-  "O elemento de subordinação, como instrumento de política, que o torna sujeito apenas à razão" (o Governo)



Se quisermos transportar isto para a realidade do Sporting, diria que o "povo" são os adeptos do Sporting. Pergunto: haverá maior prova de que os adeptos estão dispostos a ir à luta quando, numa época desastrosa, para não dizer fracassada, a #OndaVerde continua acima dos 40 mil em Alvalade e com um punhado de milhares nos jogos fora? Quando Jorge Jesus entoa o #OMundoSabeQue e inicia cada flash-interview a elogiar os adeptos do Sporting, fá-lo porque, mais do que ninguém, ele sabe da importância da "pressão" que as bancadas inferem no decurso do jogo, principalmente, no raio de decisão do(s) árbitro(s). É por isso que ele continua a apelar, constantemente, pela #OndaVerde. É muito diferente jogarmos em Arouca com a bancada central local a uivar a cada lance polémico se houver uma bancada oposta repleta de Sportinguistas que "camuflem" os gritos dos locais. Os árbitros, apesar de tudo, são humanos e ouvem muito bem...

Quanto a isto, não creio que o Sporting se possa queixar muito. A nação leonina está aí para a luta, dentro do campo, como nunca esteve. É verdade que, fora do campo, há quem batalhe muito mais do que os Sportinguistas. As ameaças aos árbitros, os telefonemas para os programas diários sobre arbitragem futebol, mas... Já alguma vez viram alguém, ao domingo de manhã, no centro comercial mais próximo, vestido com o fato treino do Sporting? E do Benfica? Pois. Não peçam mais aos Sportinguistas aquilo que eles estão dispostos a dar.


No que toca ao Governo, nunca vi um Estado-Maior Leonino que defendesse tanto o Sporting com o actual liderado por Bruno de Carvalho. Há muito a melhorar (a comunicação, meu Deus...) mas não consigo dizer que tenha havido uma direção tão preparada para a "guerra" como esta.

Agora o "exército"... muitas vezes me questiono se eles, os soldados (jogadores) sabem sequer que estão em guerra. É que, pelos sinais que vão dando, dia após dia, semana após semana, ano após ano, eu diria que não. Eles não percebem nada. É ver um qualquer clássico Real Madrid-Barcelona. É ler os tweets do Piqué e ouvir as flash-interviews do Sérgio Ramos e percebemos que são "inimigos".Depois de verem o "el clássico", é ver um soporífero derby Sporting-Benfica e perceberão o quero dizer.


No derby que ditou, com toda a certeza, que o nosso maior rival irá alcançar aquilo que apenas os 5 Violinos e o Porto de Pinto da Costa conseguiram, ou seja, o tetra-campeonato, conseguimos acabá-lo com apenas um cartão amarelo mostrado! Há jogos de curling mais disputados! Pergunto-me se, sequer, haveria algum jogador do Sporting consciente deste "pormenor" da história do futebol português? Não consigo acreditar que havia. Mas pior do que isso é, depois de acabar o jogo com um empate sensaborão, verificar que para os "soldados", parece que o empate foi uma coisa quase normal, quase como algo positivo. Nem passadas 48 horas, vejo no Facebook o capitão (o capitão!!) do Sporting a dedicar o golo do empate contra o benfica-tetra-campeão à mulher. Dedicar o golo do empate... Na minha concepção de Sporting, do Sporting que aprendi a gostar e devotar, sempre concebi ver o capitão do Sporting a dedicar vitórias, não golos. Hoje é sábado, uma semana depois do derby, ainda me custa engolir aquela merda de jogo e, no entanto, é ver o William, o sub-capitão do Sporting, no Instagram, 48 horas depois, numa piscina qualquer, sem qualquer menção ao jogo, alegre e sorridente. Ou o Schelotto, um tipo que estava desempregado há dois anos, antes de vir para o Sporting, e que convida jogadores do Benfica para a inauguração do seu restaurante 5 dias depois do empate no derby e 6 depois da mor... de mais um assassinato de um adepto do Sporting por parte de um lampião.





Uma publicação partilhada por William Carvalho (@wcarvalho14) a





É isto o nosso "exército"? Querem ganhar a guerra contra o Benfica, FPF, LPFP, árbitros, clubes-que-estagiam-no-Seixal-dias-antes-de-jogar-na-Luz-ou-que-vendem-bancadas-completas-ao-Benfica, jogadores-com-ligações-ao-Benfica-que-por-azar-marcam-autogolos-ou-fazem-assistências-a-favor-do-Benfica, com estes jogadores que parecem que vivem noutra realidade e completamente alheados da trafulhice que é a #LigaMickeyMouse? Já no derby da primeira volta na Luz falei sobre a completa falta de "ganas" deste grupo de jogadores e agora o sinto mais. Olho para a equipa (plantel) do Sporting e vejo um bando de bons rapazes que não ganharão nada além de likes e comentários nas redes sociais. Olho para o Benfica (e Porto mas não tanto) e vejo gajos filhos-da-mãe que se estão a cagar para as redes sociais e querem é ganhar jogos e títulos.



Leio esta frase de De Rossi (tks, @claragcatarino!) e lembro-me de Schmeichel, Acosta, Babb, Paulo Bento, João Pinto, Beto, Sá Pinto e das últimas vezes em que fomos campeões. Coincidências, certamente.



E se falo em exército, falo também no general, Jorge Jesus. Quando JJ chegou ao Benfica, era um desconhecido. Acredito que, nas primeiras épocas, JJ tenha tido de suar e gritar muito para impor a sua vontade, a sua filosofia, de modo a que jogadores, de certo modo consagrados, acreditassem na sua palavra e métodos. Quando penso no JJ dos primeiros anos do Benfica, lembro-me de um JJ com fato de treino. Olho para o JJ actual e vejo-o, literal e metaforicamente, de fato e gravata. Terá ele ainda aquela chama, aquela vontade de ganhar (a "guerra"), de conseguir transformar jogadores consagrados e outros, banais, em vencedores? Começo a ter dúvidas.

Sei que disse que o Governo de BdC é dos mais batalhadores que me lembro no Sporting, é verdade, no entanto, não deixa de ser verdade que a estratégia delineada, principalmente nesta época, falhou completamente. Nem falo sobre as contratações ou constituição do plantel mas sim ao combate fora das quatro linhas. Decidiu-se seguir uma estratégia de "apoio" ao novo Conselho de Arbitragem, liderado por um novato, Fontelas Gomes, mas coadjuvado por velhas raposas, como Lucílio Baptista e João Ferreira. Os resultados estão à vista: Benfica é a equipa com menos cartões e com menos penalties contra e o Sporting é das que mais cartões tem. Clap...clap... clap.


Decidiu-se no Sporting capitalizar tudo contra o Benfica e não contra os "braços-armados" do Benfica, como está agora o Porto a fazer, que desmascara semanalmente no Porto Canal, uma série de personagens do #EstadoLampiânco, desde os constituintes da infame "cartilha", árbitros, observadores, jornalistas, etc. Por exemplo, como é possível o Sporting jogar, constantemente, à noite e depois dos rivais, salvo raras excepções, e não se ouvir uma palavra de desagrado público por parte do Sporting? Ou há quem no Sporting julgue que é mesmo irrelevante jogar-se, por exemplo, às sextas à noite, antes dos rivais, fora dos "holofotes" e, se ganhando, colocar pressão sobre os rivais? Ou que jogar à luz natural em Alvalade relaxará mais a equipa adversária, transformando o jogo em algo mais "estival" e, logicamente, mais fácil de ganhar (jogo mais aberto, fluido, favorável à equipa mais atacante, mais técnica)?

Outro exemplo. Em cada jogo do Sporting transmitido pelo Sporttv sou capaz de vislumbrar uma ou duas chico-espertices contra o Sporting, sejam os comentários manhosos de Luís Freitas Lobo ou Pedro Henriques, ou a aquela repetição que nunca aparece e que permitia esclarecer dúvidas sobre um qualquer lance a favorecer/prejudicar o Sporting. Quantas vezes ouvi alguém do Sporting referir-se, oficialmente, a isso? Nunca.


Como é possível andar a dar borlas de dois em dois meses (leia-se, entrevistas exclusivas ou fornecer jogadores para campanhas) ao Record se, dia sim, dia não, temos uma "capa" anti-Sporting e crónicas do Farinha a amesquinhar o Sporting? Os "prós" valerão mais do que os "contras"? Duvido muito. Já há tantas formas de fazer passar a mensagem (Sporting TV, redes sociais) que este tipo de relações "quid pro quo" parecem mais prejudiciais do que benéficas. Isto, para não falar n'A BOLA, CM, O JOGO ou TVI24. Nalguns destes casos, urgia mesmo declarar certos orgãos de comunicação social como personas no grata em Alvalade mas não, mais fácil sai um comunicado de BdC ou Nuno Saraiva contra o André Ventura ou Hugo Gil (o Hugo Gil, caralho?!) do que contra o Vítor Serpa ou Nuno Farinha. Juro que não percebo.



No Sporting, parece que há várias estratégias. Uma da direção (e dentro dessa, parece que há uma distinta do presidente, outra do diretor de comunicação, etc), outra do treinador e outra dos jogadores. Deus queira que esteja enganado mas, a continuar assim, vamos continuar a perder a "guerra".

23 de abril de 2017

Lógica para combater a irracionalidade

Ontem acordei em choque. Sensação a que já me tenho vindo a habituar neste mundo recente, mas que costuma ter razões mais distantes. Desta vez, a loucura extremista foi aqui. Ao nosso lado, com um dos nossos, com a nossa paixão como pretexto. Não é fácil digerir e ao início estava capaz de dizer e fazer tudo. Mas o dia trouxe calma e lucidez: o que aconteceu foi um ato de extremismo irracional. E nestas situações, a história tem ensinado que a pior resposta possível é mais irracionalidade. Infelizmente, é essa que se vê sempre.
Certos argumentos que têm sido lançados, de ambos os lados, são impulsivos, ilógicos e, por isso mesmo, altamente perigosos. Não se pode generalizar um ato isolado, não se pode pôr na mesma discussão assassinatos intencionais e acidentais. Não se pode dizer que a culpa é de quem provoca, que se não estivessem lá não acontecia, que quem anda à chuva molha-se, etc. Calma. É suposto vivermos numa democracia desenvolvida em que matar alguém não é aceitável independentemente do motivo. É que parece que toda a gente se esquece dos seus princípios quando há futebol à mistura. Se fosse um homem a matar a mulher por o ter traído, também se desculpava e desvalorizava? Ou a velha história da menina da minissaia não se poder queixar da violação… Temos de ter cuidado com o que dizemos. O que eles estavam lá a fazer é importante de averiguar e nem tenho problemas em dizer que adivinho que não será coisa boa. Mas é um assunto à parte, que nunca poderá tornar aceitável matar alguém. Porque nada torna.
Por outro lado, tentemos esforçar um bocadinho mais a lógica no que às razões para este ambiente tenso no futebol português diz respeito. Há que ter ponderação e pensar duas vezes antes de atirar bitaites. Eu não posso falar pela população em geral, mas posso dar a minha visão das coisas: nunca será o que um presidente, um dirigente, ou um comentador diz que me fará gostar mais ou menos de um clube e, muito menos, ser mais ou menos violenta. Se de facto isso acontece, temos de parar para pensar no grave que é as pessoas não terem filtro e consciência para saber gerir palavras. A mim, o que ameaça o meu discernimento é quando alguém impede essas palavras - porque cortar liberdades irrita-me incomparavelmente mais do que qualquer expressão das mesmas. O que me tira do sério é ter a injustiça como norma e, acima de tudo, a ausência de tentativas de explicação e correção. O que me descontrola é a lata, a falta de brio e a sujidade da imprensa. O que me faz perder a cabeça são as voltas que dou às mesmas perguntas, que nunca são respondidas, desde a existência de claques ilegais, aos critérios nas diferentes decisões da Liga, à promiscuidade da Federação. Portanto é fundamental que deixemos de ser os limitados que acham que andamos zangados porque A disse X e B respondeu Y. O foco da crispação é bem mais profundo do que isso e ninguém está isento de culpas – mesmo os que não hesitam em distribui-las: de jornalistas a comentadores, passando por políticos, dirigentes, claques e adeptos, mas acima de tudo as instituições supostamente reguladoras. Enquanto se continuar a achar que a culpa acaba num setor, não avançamos.
Quanto à questão do “incendiário”, sou sincera. Acho que acaba por ser verdade. A chegada de Bruno de Carvalho incendiou o ambiente. Mas não por ele o ter tentado fazer. Simplesmente, antes o Sporting era o esquecido parente simpático que não ameaçava ninguém, por isso nunca entrou na guerra, que acabava por se fazer com 300 km de terra pelo meio. Com ele, o Sporting voltou a fazer parte da discussão, quer do campeonato quer do estado do futebol português, tendo vindo mexer em questões que dava jeito a muita gente que continuassem adormecidas. Daí o Sporting ter voltado a ser visto como o grande rival do Benfica. E nesta guerra, os 300 km passam à largura da 2.ª Circular. Portanto, claro que tudo se torna mais aceso e mais perigoso.
De resto, outra consequência assustadora da irracionalidade com que se reagiu à irracionalidade da madrugada de ontem, foi a normalização do acontecimento: falamos da morte de uma pessoa exatamente da mesma maneira com que falamos semanalmente dos penalties por marcar e das declarações do não sei quantos: os mesmos diretos, nos mesmos estúdios, com os mesmos comentadores; os mesmos comunicados, nas mesmas plataformas; as presenças em zonas mistas, como se se fosse falar de arbitragem; a Liga limita-se a um comunicado, como se fosse mais um dia; a FPF fala à Lusa, sem cara nem voz; a naturalidade com que se continuou  a falar dos onzes, dos autocarros, da caixa de segurança e depois, de como o jogo decorreu. Penso que se pedia muito mais do que isto. O que se passou ultrapassa o futebol. Há um filho a voltar sozinho a casa. Seria de esperar mais choque, mais contenção e mais respeito. Não foi um fora-de-jogo. Não é para os comentadores de futebol falarem. É para ser pensado e estudado a outros níveis da sociedade. É um caso de polícia, não de árbitro. E tudo isto fez com que parecesse que estávamos a falar só de um estalo ou de mais dos mesmos desacatos…. Morreu alguém. Não se pode tratar como se fosse normal.
Por fim, no culminar de um dia pesado, na zona mista de Alvalade, deu-se o expoente máximo da irracionalidade de ontem. E gosto de acreditar que se tratou de irreflexão e precipitação, mesmo que tenha tido um dia inteiro para refletir, porque neste momento nem tenho cabeça para enfrentar o facto de alguém que pense mesmo o que foi dito ser seguido por 6, ou 14, ou lá quantos são, milhões de pessoas. Que, mais uma vez, não ia ser capaz de se demarcar das loucuras das suas claques (mesmo que não queiram associar uma claque ao assassínio, houve sempre as celebrações do mesmo durante o jogo), já eu sabia. Mas o que veio a seguir, foi verdadeiramente chocante. Da boca do presidente do Sport Lisboa e Benfica saíram as palavras “provocação gera violência”. Assim. Em frente aos microfones, em direto para a televisão. Sem pudor. Alguém morreu. Um filho voltou sozinho para casa. Mas o que o presidente do Sport Lisboa e Benfica se lembra de dizer é que ele provocou. Como é que o senhor cartilhas teve coragem de dar a cara para dizer uma barbaridade destas, não sei. Mas sei que isto me afeta muito para além do futebol. Que ele e toda a gente que pensa assim entendam que a provocação gera violência em animais que não se sabem controlar, não em humanos que vivem em sociedade. Que o que mata não é a provocação, é a loucura fanática de bestas incapazes de pensar para além de chavões selvagens como “provocação gera violência”. Se acho que do ato isolado de um benfiquista não se pode generalizar, das palavras do presidente da instituição, a questão é outra. Ontem, tornou-se público que a posição oficial do Sport Lisboa e Benfica é que vale matar, se houver provocação. E assim cai no seu presidente responsabilidade por todas as violências em resposta a provocações que possam existir daqui para a frente, porque em direto, para as televisões, legitimou um assassínio.

Mas então o que fazer para melhorar a situação? A meu ver, em primeiro lugar, recuperar legitimidade e autoridade para o edifício do futebol português. Sem isso, nada será possível. Depois, parece-me hora, se bem que a mim já me parece há algum tempo, para a política parar de fingir que não se mistura com o futebol, porque se isto tudo fosse “só um jogo” não acabava em sangue. São necessárias medidas democráticas, independentes e sérias que neste momento a tutela não dá. Por outro lado, sem me querer repetir, é urgente legalizar as claques, nem que seja pela ideia de impunidade e amadorismo que é passada. Claro que, idealmente, também era necessária uma comunicação social isenta, briosa e pedagógica, focada no melhor que o futebol tem, nas histórias incríveis que há para contar, em tudo o que de positivo nos pode ensinar, mas isso, sinceramente, não acho possível. Por fim, é urgente haver debate público, que permita fazer progressos no sentido da educação para o desporto e para o civismo em Portugal. E não sejamos infantis, para esse debate não é preciso os presidentes gostarem um do outro nem partilharem tribunas. Adultos sérios sabem trabalhar com pessoas de quem não gostam e com quem têm historial. Simplesmente, por vezes não querem.